sexta-feira, 9 de março de 2012

Colheres Compridas - José Carlos Carturan


Talvez já tenham percebido que gosto muito de fábulas, contos, histórias. Hans Christian Andersen, autor de contos como ‘O patinho feio’ e ‘O soldadinho de chumbo’ dizia que as fábulas servem para que as crianças durmam e os adultos despertem. Penso que há uma sabedoria enorme contida em alguns contos, lendas que marcam nossa mente inconsciente de maneira muito intensa e geram aprendizados perenes. Por isso, hoje vou mencionar uma lenda chinesa.

Diz a lenda que o discípulo se dirigiu ao mestre e perguntou a este o que era céu e o que era inferno. O sábio homem respondeu:
- Por mais que você fique surpreso a diferença, no final, é pequena, mas traz grandes consequências. Venha, vou lhe mostrar o inferno.

Entraram em um ambiente onde havia uma grande quantidade de pessoas sentadas ao redor de um enorme caldeirão, repleto de uma comida que parecia ser deliciosa pelo maravilhoso aroma que exalava. Todos estavam famintos e desesperados. Cada um tinha uma colher presa pela ponta do cabo à mão, que chegava até a panela. No entanto, os cabos eram tão compridos que ninguém conseguia levar a colher à boca. O sofrimento era terrível.

Passado um instante, o mestre virou-se para o rapaz e disse:
-Venha. Agora vou mostrar-lhe o céu.
Entraram em outro ambiente, idêntico ao primeiro. Ali também havia um caldeirão cheio de comida, muitas pessoas e as mesmas colheres que eram na realidade tão desproporcionais quanto às anteriores. Contudo, ali todos estavam alimentados e aparentavam estar felizes e serenos.

O discípulo então perguntou:
- Mestre, como podem estar felizes e tranquilos em relação às pessoas da outra casa, se ambos têm exatamente o mesmo?
O mestre sorrindo respondeu:
- Então você não percebeu? A resposta é simples, meu jovem. Como o cabo da colher é muito comprido é impossível levar comida à própria boca. Mas aqui eles aprenderam a alimentar uns aos outros.
Pois bem. Será que um dos fatores das angústias do ser humano não é algo semelhante a isto? Será que as pessoas não andam tão preocupadas em ‘alimentar a si mesmas’ que não conseguem perceber que há outros seres humanos ao redor, que na pior das hipóteses precisam ser ‘alimentados’ com respeito, dignidade, carinho?

Muitas vezes as pessoas parecem tão focadas em si mesmas que são incapazes de olhar ao redor e perceber que senso de colaboração, esforços somados e um mínimo que seja de altruísmo sincero, sem demagogia e nem interesses secundários podem ser um combustível poderosíssimo para que vivam em paz.

Vaidade, cobiça, busca desmesurada pelo dinheiro, sucesso a qualquer preço, apelação, falsos valores. Para estas pessoas, que preocupam-se apenas consigo mesmas, tais sentimentos são extremamente nocivos. Mesmo porque não percebem que dia após dia envenenam a si próprias com estes perfumes que parecem tão inebriantes, mas que com o passar do tempo são venenos fatais.

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